Ao observar um gato ser socorrido durante um incêndio dias atrás, o
apresentador Geraldo Luís, do programa Balanço Geral da TV Record, se enche de
indignação e raiva. Socorrer um gato? Socorrer um gato em um incêndio com vítimas
humanas? Soou absurdo para o apresentador. Pesou-lhe na alma a imagem de uma
vida sendo salva. Ele destilou seu ódio ao vivo para milhares de pessoas. Ainda
que todos os moradores humanos estivessem socorridos, sua face retorcida pelo
ódio e intolerância faziam aumentar sua voz em
defesa dos humanos que, segundo ele nos fez compreender, estavam naquele
momento rebaixados a gatos.
É possível explicar isso. Porque esse comportamento está em nossa
formação moral e psíquica.
O texto que segue abaixo pode dar conta de tentar compreender também por
que a Inquisição Católica queimou gatos e por que um ritual de passagem hierárquica da SS
nazista obrigava oficiais promovidos a arrancarem os
olhos de um gato a sangue frio após conviverem com o animal durante um mês.
MICHEL
DE MONTAIGNE (1533-1592) x RENÉ DESCARTES (1596-1650)
Há na
composição da sensibilidade ocidental o elemento cartesiano da supremacia humana.
Contestável, mas impregnado em nosso comportamento moral, social e psicológico. Descartes, filósofo
iluminista francês marcou com seu pensamento profundamente
nossa trajetória. Entender porque sua obra e sua lógica se impuseram não está
no objetivo desse texto. Descartes considerava os animais como um mero
princípio mecânico, apenas uma peça de um motor conduzido sem piedade e
ganância pelo homem. Com licença poética, Descartes assistiria Geraldo e
acharia bacana. Já outro filósofo francês não gostaria da intolerância de Geraldo. O também iluminista Montaigne é o contraponto a Descartes que dá gosto de lembrar. Menos influente no pensamento das gerações que se seguiram, mas não menos importante, Montaigne, homem maior, não construiu sua
filosofia elegendo o homem como centro de tudo. Montaigne preferiu a vida. Nunca desdenhou dos
animais e nunca os rebaixou. O homem é parte da vida, e não toda ela. Por isso o respeito para as outras
partes é fundamental para a harmonia do bem-viver. Para ilustrar o pensamento
fino e elevado de Montaigne, há uma frase dele que é sensacional: “Quando brinco com minha gata, quem sabe se ela não se distrai comigo
mais do que eu com ela?”
Vejam, Montaigne, homem de inteligência abrangente, filósofo imortalizado e estudado em toda academia
de pensamento importante, dono de uma obra vasta que tenta explicar a condição
humana, humildemente se coloca no mesmo plano de sua gata. Enfim, como já dissemos,
ele prefere a vida.
Já o Sr. Geraldo Luís, apresentador
do Balanço Geral, o mesmo homem que com sua produção construiu um cenário com gelo seco e copinhos jogados no chão para simular a tragédia de Santa Maria, inconscientemente,
prefere entronizar o homem e humilhar os animais. Descartes prevaleceu.
Sorte que Montaigne ainda se faz presente entre alguns de nós.
Sorte que Montaigne ainda se faz presente entre alguns de nós.
Por isso é fundamental saber quem é a pessoa que socorreu o gato.
Quem é a socorrista?
Devemos louvá-la e honrá-la e
dizer seu nome e agradecer.
Afinal é o espírito de Montaigne
que se impôs belamente ao espírito pragmático, destroçador, cruel, frio,
cartesiano e impiedoso simbolizado pelo medíocre Geraldo Luís do Balanço Geral.
2 comentários:
Esse senhor que apresenta o tal programa quer aparecer e não sabe como. Provou tratar-se de uma alma pobre que precisa apelar para chavões e lugares comuns. Quem é humano realmente sabe que a vida merece respeito e amor, não importando se é de um ser com quatro patas ou duas pernas ou duas asas ou barbatanas ou com caule e folhas. Afinal, todos somos irmãos e todos termos direito à vida. Mas ainda há os que engatinham no entendimento dessa lição e eu não consigo ainda amar esse tipo de gente. Mas é preciso amar a todos, não é mesmo? Gostei muito da explanação e de como contrapôs a razão ao sentimento. Se pararmos para pensar de outra forma, Jesus e todos os Grandes Mestres espirituais (não me refiro às religiões) demonstraram que o amor deve ser universal e, portanto, estender-se a todos os semelhantes, sejam de que espécie for. Mas como vivemos em um planeta com pessoas dos mais variados níveis de entendimento, ainda há pessoas que pensem que os animais sejam seres inferiores (não sei de onde tiraram isso!). Pois o homem com sua imensa "superioridade" está conseguindo destruir o planeta que é sua casa e provocando toda espécie de desastres naturais e conseguindo extinguir até as abelhas.
Gostei do teu texto! Muito bacana!
Escrevi um sobre Descartes, descontraído e informal.
Legal a tua postagem,! deem também uma olha na nossa em http://nerdwiki.com/2014/01/12/o-discurso-do-metodo-rene-descartes/ Obrigado.
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